{Coluna} Com Muito Orgulho e Nenhum Preconceito



Eu não posso dizer que sou fã de
Jane Austen, ainda que conheça um pouco de sua história como escritora, que o
filme “Amor e Inocência” me cause comoção e principalmente por me encantar com
a maneira que suas histórias questionam a sociedade inglesa de sua época,
especialmente no que diz respeito aos direitos das mulheres. Não, eu não posso afirmar
que sou sua fã justamente porque estas histórias eu não li, só as conheço
através de filmes e resenhas de internet; há no entanto somente a única obra dela que li
e que alcança o topo do meu favoritismo em termos de romance:
Orgulho e
Preconceito
. Sou tão fã, mas tão fã desta história que enlouqueço a cada
remake, adaptação e inspiração baseados nela. Já perdi a conta de quantos
filmes e séries assisti e dos livros que li e hoje vou compartilhar minha
opinião de alguns deles com vocês.

Para quem não conhece, Orgulho e
Preconceito
conta a história dos encontros e desencontros entre Fitzwilliam
Darcy, um homem de posses da sociedade britânica do início do século XIX, e
Elizabeth Bennet, a segunda de uma prole de cinco irmãs de uma família não tão
abastada assim. Darcy, dado a sua educação, é um homem reservado e 
polido, restrito
ao seu círculo social. Já Elizabeth é vivaz e audaciosa, crítica dos costumes
da época e ao mesmo tempo amável e capaz de tudo pelas irmãs. E é esse jeito
diferenciado que chama a atenção de Darcy mas seu orgulho – no quesito “diferenças
sociais” – o impede de se relacionar com ela. Elizabeth começa a história odiando-o,
primeiro pelo seu modo arrogante e depois, pela maneira como ele interfere na
felicidade da irmã dela, Jane, ao denegrir a imagem desta diante do Sr. Bingley, que
a cortejava. Mas, à medida que o conhece, Elizabeth passa a admirá-lo. Os
conflitos da história giram em torno de uma crítica disfarçada aos costumes da
sociedade britânica da época: por não ter tido um herdeiro homem, a família
Bennet corre o risco de perder sua morada, que passaria ao sobrinho do Sr. Bennet
segundo as leis britânicas. O melhor destino para as moças seria um bom
casamento, e é neste que a mãe delas se empenha; porém, seus modos exagerados mais
prejudicam do que ajudam as meninas, inclusive, o possível enlace da filha mais
velha Jane, a mais bela, com Charles Bingley, melhor amigo de Darcy. Elizabeth
questiona esta obrigação de casar-se para ser feliz, mas a chegada de Darcy em
sua vida reformula sua maneira de pensar. Outra reviravolta na história diz respeito a irmã mais nova Lydia, que é bastante ousada, e o Sr. Wickham, oficial do exército que chega no local para arrebatar corações. 




  • Orgulho e Preconceito – série da BBC, 1996



Para começar a
minha versão favorita e que ilustra o cabeçalho deste post: estrelada por Colin Firth, a série, em 6 episódios, é a
mais fiel ao que é narrado no livro. Colin Firth e Jennifer Ehle fazem um casal
de protagonistas crível, com um Sr. Darcy firme, de poucas afetações mas amável
em seu círculo íntimo, e uma Elizabeth determinada, ciente das obrigações e costumes
da época mas tentando contrapô-los na medida do possível. Acredito que esta
adaptação serviu de inspiração para todas as versões seguintes embrora ainda não tenha conseguido assistir as versões de 1980 e 1940. Há uma cena que não consta no livro mas tornou-se icônica: é quando Darcy, ao chegar em sua residencia em Pemberley mergulha no lago para refrescar-se. Ele já havia brigado com Elizabeth e desconhece que esta visita o local (era costume na época) e é pego de surpresa ao encontrá-la ali. Este encontro é narrado no livro, mas o mergulho no lago deixa Darcy descomposto, o que apimenta ainda mais a cena;  





  • O diário de Bridget Jones – filme, 2001


Não, o livro “O
diário de Bridget Jones” nada tem a ver com Orgulho e Preconceito; aliás, trata-se de um
exercício literário interessante já que o livro é todo em forma de diário, onde acompanhamos
durante um ano o dia-a-dia da personagem principal 
 (e sua luta contra o excesso de peso e os cigarros!) através de suas anotações. Entretanto para o filme a roteirista precisou explorar
outras histórias para montar o texto-base e escolheu Orgulho e Preconceito para
tal. As composições dos personagens no livro de Helen Fielding eram muito vagas,
partindo das impressões da Bridget; assim, para trazer mais corpo à
personalidade do personagem Mark Darcy, as características do Sr. Darcy de Jane
Austen caíram como uma luva! A participação de Colin Firth interpretanto justamente o personagem Mark Darcy nos
três filmes da franquia é praticamente uma evolução (e atualização) do  que ele fez
na série da BBC: estão lá a polidez, a reserva, o profissionalismo e o
determinismo de Darcy nos meios sociais e sua amabilidade nos círculos mais
íntimos. E não, a Bridget não é a Elizabeth em momento algum, uma vez que estar
só era um problema para ela, ao contrário do que pensava a personagem da Jane. A graça aqui é que a vivacidade somada a ingenuidade da Bridget que encantam este Darcy, enquanto que no livro, a vivacidade era somada à independência. Curiosidade: há uma cena nos bônus do DVD do primeiro filme em que a Bridget entrevista nada
mais nada menos que Colin Firth, mas atrapalhada que só, tira o ator do sério
ao  focar somente na cena em que o ator mergulha no lago na minissérie de 1996;



  •  Orgulho e Preconceito: uma comédia moderna – filme,
    2003


Trazer O&P
para o universo jovem não é tão difícil, mas os roteiristas deste filme
conseguiram deixar ele quase um
besteirol americano. Quase, e isto não significa desmerecer o longa, quando pensamos no público que ele pretende atingir. Boa
parte dos personagens estão lá reimaginados: Lizzie é uma estudante
universitária, suas irmãs se transformam em suas companheiras de moradia sendo
que a proprietária é a desmiolada Lydia, enquanto Wickham é um playboy
canastrão e Darcy é um jovem de negócios. Eu gosto da maneira como os fatos
principais da história são recontados nesta adaptação, exigindo um bom
exercício de imaginação para que as cenas dessem certo. A única coisa que não
gostei e já percebi em algumas tentativas de adaptações é o fato de colocarem
Elizabeth como uma “romântica enrustida” – não é que a personagem de Jane seja “contra”
casamentos, mas sim contra o fato deste ser o único objetivo que uma mulher
deve ter na vida. E é isto que atrai as atenções de Darcy para ela. Porém, adaptações
como a deste filme fazem da Lizzie aquele tipo de mulher que diz que não vai
casar mas que suspira pelos cantos pelo homem dos sonhos que ainda não chegou –
quando no original ela somente suspira depois que cai de amores por Darcy (nem
por Wickham ela se sente afetada assim). De qualuqer forma achei que as
personalidades de Lidia, Wickham e Darcy caíram como uma luva neste filme,
mostrando que algumas características são atemporais.



  • Orgulho e Preconceito – filme, 2005


A mais recente
versão cinematográfica de O&P é linda! Com uma fotografia maravilhosa, paisagens
e cenários de tirar o fôlego, diálogos fiéis e interpretações de qualidade,
este filme ganha o segundo lugar na minha lista de adaptações. Keira Knightley
dá a Elizabeth mais vivacidade e espontaneidade que a personagem da série da
BBC, assim como Rosamund Pike interpreta aqui uma Jane de timidez menos afetada
e refletindo muito mais a impressão de indiferença da qual é injustamente
acusada por Darcy (e nossa, como esta atriz fica encantadora neste filme!). Há algumas modificações
de cenas, creio ser em virtude das locações, e a participação da personagem Charlotte
Lucas, que gosto bastante, é minimizada, porém não estragam a história. O único
problema é que para gostar meeeeesmo do filme é necessário ver o final
americano (algo que, ouvi dizer, muitos fãs da autora condenam: eu já disse que
sou fã da história não é? Então prossigamos!).



  • Lost in Austen – série, 2008


Esta série, para quem ama o universo Jane Austen, é meio “sonho de fã”: aqui, Amanda é uma fã da autora que tem, de
maneira totalmente surreal, a oportunidade de parar dentro da história de
O&P. Na verdade, é Elizabeth quem primeiramente migra para o
mundo real e encantada com ele e todas as suas evoluções não quer mais voltar. Cabe
a Amanda ir para Netherfield e esclarecer aos familiares e amigos de Elizabeth
que ela está “indisponível” no momento; difícil foi aceitar a
facilidade com que amigos e familiares de Elizabeth receberam Amanda, uma vez
que sempre acreditei na reserva dos ingleses. Nesta série o mais legal é o
exercício da metalinguagem, aqui caracterizados por aqueles momentos em que o
personagem, por conhecer a história, sabe o que acontecerá nos momentos
seguintes, sendo estes, juntamente com os conflitos de costumes da época, a
graça do filme. Mesmo fazendo de tudo para não
ser
Elizabeth, Amanda acaba assumindo as passagens desta na história e,
claro, cai de amores pelo personagem principal – além de outros problemas.



  • Austenland – filme, 2013


Esse é outro filme que abusa da linha “sonho de fã”, além de ser o
típico filme de sessão da tarde, com mocinha sonhadora despertando para o mundo
real, sapos que se revelam príncipes e príncipes virando sapos! Nesta trama, Jane
(Keri Russell), é uma fã incondicional (mais uma!) do universo de O&P, e sonha em encontrar seu Darcy no mundo real (lá se foi a premissa principal para ser uma versão Lizzie!!). Ela investe todas as suas economias para
passar as férias em uma espécie de resort inspirado na história de Jane Austen –
como se fosse a Disney, mas sem os brinquedos. Ela enfrenta alguns contratempos,
principalmente com a proprietária do local, que a menospreza; por estar em seu
lugar tão sonhado, Jane procura ignorar isto, porém sua paciência e otimismo
vai chegando ao limite. De novo, não se pode dizer que sua personagem seja uma versão da
Elizabeth, está mais para a Jane ou até para a Charlotte Lucas em seu
conformismo. Já o Darcy aqui se manifesta na figura de um intelectual reservado
e que parece pouco à vontade no local.  O
filme é leve e gostoso de assistir, no melhor estilo Dirty Dancing com a
personagem oscilando entre fantasia e realidade. Só agora pesquisando por mais
informações é que descobri que o filme é inspirado em um livro homônimo escrito
por Shannon Hale – e que já foi para a minha listinha do “preciso ter”



  • Orgulho e Preconceito e Zumbis – filme, 2016


“É uma verdade
universalmente aceita que um zumbi, uma vez de posse de um cérebro, necessita
de mais cérebros”. 



Assim começa o livro de Seth Grahame-Smith, onde zumbis são
inconvenientemente inseridos na trama de Jane. E dá certo! Simplesmente porque
o autor (que também é roteirista), não ignora as características dos
personagens e faz mais enxertos do que modificações na história – há algumas mas não tão graves. O livro é uma
sátira mas você acaba amando ainda mais o casal Darcy e Lizzie por suas
disputas de força e intelecto. Só fica difícil imaginar a doce Jane como uma
assassina de zumbis, mas ok, já disse que é uma sátira, e como tal, ganhou as telas dos
cinemas tendo Lily James e Sam Riley nos personagens principais. Riley quase convence
como Darcy, fazendo mais o estilo “emburradinho” do que reservado, mas
representa bem um assassino frio de zumbis. Já Lily James faz bem a Lizzie determinada,
vivaz e também guerreira e dona de si. O interessante a ser observado aqui, de
novo, é o exercício de reinterpretação da história e da oportunidade de se
seguir por um novo caminho. O livro já é o resultado de uma brincadeira com uma história de sucesso; o
filme poderia segui-lo fielmente, mas opta por mudar o rumo a partir da metade
da história e criar um novo fim bem mais interessante que o do livro, que
apenas repetia a história de Jane. Eu sei que isto cria muito embate nas
discussões entre fãs que preferem a fidelidade ao livro; já fui um deles mas confesso
que atualmente, se a adaptação funciona, dou meu braço a torcer e aplaudo a
criatividade de seu autor. Assim, a segunda metade da trama é uma surpresa e tanto
para quem olha torto para a adaptação com zumbis  e também para quem leu a sátira!



  • Unleashing Mr. Darcy – filme, 2016


Este filme é mais uma daquelas versões água com açúcar
da história, em que, ainda que se tente manter o cerne do original, quando as
características dos personagens se perdem tudo vai por água abaixo. Isso se
explica porque o filme é uma adaptação do livro de Teri Wilson e nele o autor
já começa de maneira errada, dizendo que a necessidade de casamento é da
mulher, e não do homem como constava no original de Jane:

“E uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro
de posses de uma grande fortuna deve querer uma esposa”


Claro que Jane estava sendo irônica com o costume da
época; cá entre nós, ter ou não um parceiro hoje em dia é opcional – e sorte
também, mas o autor quis trazer luz para aquele pensamento já fora de época que
mulheres aos 30 se tornam “desesperadas por casamento” e aí baseia sua
história, que no filme é representada por uma Elizabeth boba e um tanto tola, e
um Darcy meio cínico. Parece que para alguns autores, basta apenas o herói ser rico
e bonito tudo está resolvido; e a mocinha precisa ser frágil, seja emocionalmente
ou financeiramente – ela precisa estar em perigo de alguma forma. Não posso
negar que Austen usou esta fórmula em sua história também, quando os Bennet se
encontraram em apuros com sua filha mais nova, porém uma personalidade marcante
de Elizabeth que é o seu determinismo já estava lapidado na história e naquele
momento prevalecia a necessidade de proteger irmãs das más línguas da
sociedade. Neste filme isto não acontece: Elizabeth Scott é confrontada desde o
início com situações que a deixam cabisbaixa e chorosa, sendo seu único conforto seu cão
e as exposições das quais é adestradora. Numa delas conhece Donavan Darcy, lindo,
mas arrogante e grosseiro, não de maneira ofensiva e sim cínica. Assim, o filme
caminha para aquelas séries de encontros e desencontros entre os personagens
onde ela é sempre a atrapalhada e ofendida – cadê a língua afiada da Srta.
Bennet? – e ele no melhor estilo “sorria e acene” e com a língua afiada (que deveria ser a dela) sempre pronta
para deixá-la sem graça. 
Mas claro, o amor sempre vence. As sequencias não obedecem ao original do livro, logo situações que deveriam ocorrer no meio são o clímax do fim – e aqui vale o exercício da reinterpretação. Para mim é um filme “inho”: bonitinho, engraçadinho, fofinho… mas
não funciona como representante do universo de Austen;


  • Orgulho e Paixão – novela 2018, Rede Globo.


E claro, não poderia deixar de falar do folhetim global
Orgulho e Paixão. A novela vespertina
se baseou em vários livros da Jane Austen para compor seus personagens, o que
faz dela um exercício interessante de crossover
– técnica literária de interação entre personagens de núcleos/histórias diferentes
(quem é fã das séries de super-heróis ou dos “Chicago’s-alguma-coisa” das tv´s
por assinatura já viu exemplos desta técnica!). O fio condutor principal é
Orgulho e Preconceito, mas nele está costurado Emma, Razão e Sensibilidade,
Mansfield Park e outros romances e contos da Jane. Os primeiros capítulos fez
esta costura de maneira muito peculiar: Emma, a casamenteira, tomou o lugar
de Charlote Lucas como melhor amiga de Elizabeth – aqui Elizabeta e irmã mais
velha. As irmãs do meio Kitty e Mary também inverteram sua posição na ordem das
filhas Bennet: Kitty é Cecília (para não confundir com a princesa Catarina da
novela das sete) e absorveu a personalidade da personagem Catherine
Moreland de A Abadia de Northanger;
fantasiosa e criativa, adora uma investigação e fica curiosa com os
acontecimentos na Mansão do Parque (sim Mansfield Park!). Já Mary é Mariana,
inspirada na personagem Marianne
Dashwood de razão e sensibilidade, e que, ao contrário da personagem do livro
que era influenciada pelas artimanhas da irmã mais nova, Lydia, aqui tem um
pouco mais de sede de aventura e vontade de se lançar no mundo.
Comentei
isto no post da Poliana (novela do SBT – você pode ver aqui) e repito: para
quem gosta de escrever, observar como os roteiristas mesclam histórias conhecidas
para criar um roteiro novo é um aprendizado e tanto. Eu particularmente
ficava fascinada quando as falas e ações ocorridas em Orgulho e Preconceito
eram adaptadas para este novo universo. Infelizmente para a história do livro,
a novela tomou vida própria; por ser uma obra aberta, ela tende a seguir o
que o “público” quer, e assim os conflitos atuais dos personagens já perderam suas
características originais. Isto não torna a trama ruim dentro do que se propõe –
entretenimento – mas começa a prestar um desserviço tanto histórico quanto
literário, ao vincular aos personagens de Jane ações que eles não praticariam,
mais característicos de comportamentos da atualidade do que do período em que a
história está se passando.




Bem, preparar este post acabou comigo, pois descobri que ainda existem muitos títulos inspirados neste universo que ainda não assisti!! Mas e você: já assistiu alguma adaptação baseada em Orgulho e Preconceito que eu não citei aqui? Deixe nos comentários!!




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